Mitos da Adolescência: o que a Ciência Revela Além dos Estereótipos

Usa-se o termo “adolescência” para descrever um estágio de transição entre a infância e a idade adulta. Dentro dessa fase ocorre a chamada puberdade. Você sabia que a adolescência é um dos eventos mais dinâmicos do crescimento e desenvolvimento humano? Ela só “perde” para a infância em relação à intensidade de mudanças no cérebro. Por isso, compreender melhor essa etapa é fundamental.

No entanto, parte de entender o que realmente marca a adolescência é reconhecer aquilo que não é resultado natural dessa fase. Ao longo do tempo, criou-se um estereótipo em relação aos adolescentes, mas muitas dessas ideias pré-concebidas se tratam de falsos conceitos. Esses mitos acabam dificultando tanto a vida dos próprios adolescentes quanto a dos adultos que convivem com eles. A seguir, veremos três mitos da adolescência, desmistificados à luz da neurociência.

Mito 1: Hormônios explicam todo comportamento adolescente?

Apesar de os hormônios realmente aumentarem nesse período, eles não são os determinantes exclusivos dos comportamentos adolescentes. É claro que as mudanças hormonais têm um papel importante, pois contribuem para transformações físicas, emocionais, intelectuais e sociais. Contudo, a neurociência mostra que parte dos comportamentos disfuncionais e arriscados nessa etapa decorre, sobretudo, das alterações no desenvolvimento cerebral.

Pesquisas evidenciam que o cérebro passa por um processo de “religação” que só se completa por volta dos 25 anos de idade.

Neurotransmissores: como o cérebro adolescente influencia o comportamento

Nesse processo, três neurotransmissores desempenham papel crucial: dopamina, serotonina e melatonina.

  • Dopamina: influencia o controle do movimento, a resposta emocional e a capacidade de sentir prazer e dor. Durante a adolescência, o nível basal de dopamina é mais baixo e o limiar de recompensa é mais alto. Isso significa que os adolescentes precisam de estímulos mais fortes para sentir o mesmo prazer ou satisfação que sentiam na infância. Não é incomum vermos adolescentes vivendo “à flor da pele” ou respondendo de forma atravessada. Além disso, há um agravante da nossa geração: o acesso ilimitado a redes sociais, jogos e telas em geral, que estimulam o sistema de recompensa cerebral sem muito esforço.
  • Serotonina: está diretamente ligada às alterações de humor, à ansiedade, ao controle dos impulsos e à excitação. Assim como a dopamina, seus níveis também diminuem nesse período, o que explica a menor capacidade de inibir impulsos. Isso pode ser visto em atitudes de risco, muitas vezes motivadas pelo desejo de recompensa imediata. Um exemplo claro são os “desafios de internet”, em que adolescentes se submetem a situações perigosas sem refletir sobre as consequências.
  • Melatonina: regula os ritmos de sono e vigília, funcionando como um “relógio biológico”. Na adolescência, a produção desse hormônio aumenta a necessidade de um sono de qualidade — essencial para o desenvolvimento cerebral. O problema é que muitos adolescentes trocam a noite pelo uso de jogos, conversas virtuais ou televisão, o que compromete fortemente sua saúde física e emocional.

Portanto, já sabemos que os hormônios não são a única explicação para os comportamentos adolescentes. As mudanças cerebrais influenciam de forma significativa esse período de transição.

Agora que derrubamos o primeiro mito, vamos ao segundo mito da adolescência.

Mito 2: A adolescência é só uma fase de imaturidade?

Quem convive diariamente com um adolescente já pode ter pensado: “não vejo a hora dessa fase passar”, como se a adolescência fosse apenas um período a ser tolerado. No entanto, essa fase é muito importante e merece investimento. É uma etapa que deve ser vivida, não apenas “sobrevivida”.

O psiquiatra Daniel Siegel, em seu livro Cérebro Adolescente, descreve a adolescência como uma janela de oportunidades, marcada por quatro grandes características: busca por novidades, engajamento social, intensidade emocional e exploração criativa. Essas qualidades são fundamentais ao longo da vida, e na adolescência elas aparecem de forma vívida e intensa. Quando bem desenvolvidas e estimuladas de forma equilibrada e saudável, muitos adolescentes podem se tornar adultos capazes de manter uma vida social, emocional e criativa satisfatória.

Além disso, Laurence Steinberg, doutor em psicologia e referência mundial no estudo da adolescência, enfatiza que a plasticidade cerebral torna essa fase extremamente sensível às experiências — positivas ou negativas — moldando traços que permanecem ao longo da vida.

Mito 3: Adolescentes maduros não precisam mais dos adultos?

Na sociedade em que vivemos, muitas vezes acredita-se que maturidade significa independência total. Depender ainda dos adultos pode ser visto como algo infantil. Porém, essa ideia está incorreta.

O que realmente gera adolescentes e jovens que transicionam para a vida adulta de forma saudável é a interdependência: autonomia baseada em vínculos de confiança. Pesquisas recentes reforçam que adolescentes que mantêm relações de apoio com adultos desenvolvem melhor regulação emocional e maior senso de identidade.

Os seres humanos são essencialmente seres relacionais. Fomos criados para pertencer. Por toda a vida, teremos necessidade de relacionamentos fortes, seja com nossos pares ou com pessoas mais experientes. Essa interdependência configura uma forma mais saudável e equilibrada de desenvolvimento e manutenção da vida.

Adolescência sem rótulos: entendendo o que vai além dos mitos

Apesar de os tópicos apresentados acima tratarem de mitos da adolescência, muitas vezes é exatamente isso que nós e até os próprios adolescentes acreditamos sobre essa fase. Mas por que não conseguimos perceber isso? Narrativas e comentários comuns durante a adolescência podem se tornar “verdades” que incentivam comportamentos que consideramos disfuncionais.

Por exemplo, quando um adulto diz de forma frequente e dura a um adolescente que ele não faz nada certo, que só dá trabalho, ou que é preguiçoso e distraído, essas palavras podem ser recebidas como uma visão verdadeira de quem ele é. Lembre-se: a adolescência é uma fase em que o senso de identidade ainda está em formação, tornando o jovem mais vulnerável a sugestões. Ele poderá pensar: “não faço nada certo”, “sou preguiçoso”, “sou um peso”. Esses pensamentos, quando internalizados, geram emoções intensas, que por sua vez resultam em comportamentos disfuncionais, como procrastinação, isolamento, raiva ou vícios.

Do ponto de vista da Análise do Comportamento, comentários e atitudes negativas podem funcionar como reforçadores que, mesmo involuntariamente, mantêm ou fortalecem comportamentos disfuncionais. Em outras palavras, o adolescente pode adotar estratégias para evitar críticas ou desconfortos, mas essas estratégias podem se tornar prejudiciais a longo prazo.

Compreender esse processo é fundamental para criar intervenções mais saudáveis, que promovam comportamentos adaptativos, regulação emocional e autoestima positiva, em vez de perpetuar ciclos de reforço negativo.

Adolescência e desenvolvimento emocional: a importância de adultos presentes

O desenvolvimento cerebral influencia o comportamento dos adolescentes, mas sempre dentro de um contexto. Como aponta Steinberg, um elemento que costuma faltar nas discussões sobre cérebro adolescente é justamente o contexto em que os jovens vivem.

No entanto, o que vemos com frequência é o uso da fase da adolescência como desculpa para justificar deficiências relacionais entre jovens e adultos. Nem tudo que consideramos “ruim” pode ser colocado na conta da adolescência. Essa fase é tão importante quanto qualquer outra etapa da vida, e erros que ocorrem nela podem se repetir na juventude, adultez e até na velhice. Talvez o foco da mudança não deva ser a fase em si, mas a forma como ela é vivida.

Não é incomum encontrarmos adultos ausentes da vida de seus adolescentes: permissivos ou autoritários em excesso, que não estimulam a comunicação aberta e saudável, que nutrem fisicamente, mas não sustentam emocionalmente. Tudo isso impacta diretamente a forma como o jovem vivencia essa fase.

Infelizmente tenho observado uma geração de adolescentes que carece de inteligência emocional e se sente, emocionalmente, desamparada e esquecida. Adolescentes precisam de adultos — não adultos perfeitos, mas adultos presentes em corpo e mente. A sociedade precisa de adolescentes saudáveis, física e psicologicamente. São eles que trazem energia, criatividade e novidade para o mundo. E, às vezes, tudo o que precisam é que alguém acredite neles e os impulsione.

Como disse Sean Maguire, personagem de Gênio Indomável:

“Algumas pessoas não conseguem acreditar em si mesmas até que alguém acredite nelas primeiro.”

Até a próxima!

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Referências Principais

IBRABA. Reforço positivo e negativo na ABA. Disponível em: Link. Acesso em: 01 out. 2025.
Tradução livre: IBRABA. Positive and negative reinforcement in ABA.

SIEGEL, Daniel J. Cérebro Adolescente: O grande potencial, a coragem e a criatividade da mente dos 12 aos 24 anos. Tradução: Ana Cláudia Hamati. São Paulo: nVersos, 2016.
Tradução livre: SIEGEL, Daniel J. Brainstorm: The power and purpose of the teenage brain. New York: Penguin, 2014.

STEINBERG, Laurence. Commentary: A Behavioral Scientist Looks at the Science of Adolescent Brain Development. 2016. Acesso em: 01 out. 2025.
Tradução livre: STEINBERG, Laurence. Comentário: Um cientista comportamental analisa a ciência do desenvolvimento cerebral adolescente.