Por esses dias, eu reassisti a um dos filmes que marcaram minha infância: Up – Altas Aventuras. A princípio, quando criança, eu não tinha muita dimensão da mensagem que aquele filme transmitia. Talvez o que mais chamava a atenção dos meus olhinhos infantis fossem aqueles milhares de balões coloridos fazendo uma casa inteira flutuar – uau! (Inclusive, deixo aqui minha sincera admiração pelos filmes da Pixar; quase todos conquistaram meu coração!).
Mas, após crescida, assistir novamente com outro olhar ressignificou esse filme para mim. Gosto dos filmes porque eles podem ser, para nós, uma simulação da vida real. Eles permitem que “vivamos” aquela narrativa junto ao personagem e, assim, aprendemos (ou não) com os erros e acertos dele. Por isso, quero compartilhar lições de vida emocionantes por trás do filme Up – Altas Aventuras em uma análise sensível e reflexiva. (Já aviso aos navegantes que ainda não assistiram à animação: este artigo contém muitos spoilers).
Às vezes, não precisamos aprender novas lições de vida. Apenas precisamos nos lembrar daquelas que já sabíamos, mas são tão “óbvias” ou “só pra depois” que guardamos no fundo do baú das nossas almas. Talvez essas lições não precisem ficar no baú para irmos procurá-las apenas quando as tempestades da vida vierem. Talvez possamos deixá-las limpas e organizadas na prateleira, para serem um lembrete silencioso, mas profundo, em nossas vidas corridas.

Quando nossos sonhos se chocam com as realidades da vida
Carl Fredricksen, um menino aventureiro – e um tanto melancólico – conhece Ellie, uma menina sonhadora e aventureira – bem animada, por sinal. A paixão em comum por explorar um mundo desconhecido e uma figura adulta como modelo desse sonho (o então famoso explorador Charles Muntz) foram a ponte para que uma amizade entre as duas crianças começasse.
Eles então crescem e se casam, e a casa velha que antes abrigava o esconderijo secreto dos sonhadores mirins se torna o lar do jovem casal. Vivendo em seu próprio mundo colorido, vemos as cenas do tempo se passando e da vida deles acontecendo. Aos poucos, percebemos que o lugar simbólico da criança sonhadora que quer ganhar o mundo dá lugar ao símbolo do adulto que precisa lidar com as demandas da vida real – isso é muito nítido na cena em que o casal começa a guardar suas economias para viajar para o Paraíso das Cachoeiras, mas diversas vezes precisa usar esse dinheiro para imprevistos cotidianos, como um pneu furado ou uma janela quebrada.

Então, vem o que, para mim, é uma das cenas mais marcantes do filme: aquele casal sonhador agora passa a sonhar em ter filhos. A casa ganha um novo ambiente, mas então o filme nos golpeia com a próxima cena: Ellie e Carl recebem uma notícia médica de que não poderiam ser pais.
A mulher que outrora foi uma criança alegre e sorridente, intocável pelo medo, agora estava devastada pelo sonho que lhe foi tirado. Seu esposo, igualmente atingido, mas lidando de uma forma diferente com seu luto, consola sua amada, entregando-lhe o livro antigo de aventuras de quando se conheceram, talvez um lembrete gentil de que nem todos os sonhos estavam perdidos.
Primeira lição
Acho que aqui podemos tirar a primeira lição profunda desse filme: quando nossos sonhos se chocam com as realidades da vida – e quando um sonho muito desejado não se concretiza. Acredito que todos, em algum momento da vida, já passaram por uma perda ou frustração. Talvez foi uma aprovação no vestibular que não veio, um relacionamento que não foi pra frente, uma perda… são tantos exemplos da vida real! Mas, como disse certa vez Viktor Frankl, criador da Logoterapia:
“Tudo pode ser tirado de uma pessoa, exceto uma coisa: a liberdade de escolher sua atitude em qualquer circunstância da vida.”
Carl e Ellie decidiram seguir em frente. E você?
Quando estagnamos em uma página da vida
A partir desse ponto, as próximas cenas mostram vários momentos da vida do casal, até ficarem velhinhos. Carl trabalha como vendedor de balões no zoológico onde Ellie trabalha como tratadora de animais. O sonho deles continua vivo: construir seu lar no Paraíso das Cachoeiras. Então, Carl compra duas passagens especiais para levar sua companheira ao lugar almejado, mas o filme nos golpeia novamente: a pequena exploradora Ellie, que agora já estava de cabelos brancos, adoece.
Em seus últimos momentos de vida, ela entrega ao seu companheiro seu livro de aventuras. Sem palavras, mas com uma melodia triste, o filme mostra o velho Carl Fredricksen agora sozinho, vivendo na casa cheia de memórias e lembranças da vida que viveu ao lado de sua falecida esposa, sem capacidade para se desfazer emocionalmente de nada, talvez agora preso no tempo, preso àquilo que antes lhe dava sentido para viver. O silêncio e o isolamento tomam conta da vida daquele velho homem, que passa a ser visto por todos como ranzinza.

Segunda lição
Essa parte do filme me faz pensar que até mesmo as pessoas mais ranzinzas (ou ao menos algumas delas) com quem cruzamos caminhos podem ter sido, um dia, sonhadoras e audaciosas — mas não conseguiram lidar com certas questões da vida. São pessoas que ficaram “presas em uma página”. Talvez muitos de nós também tenhamos medo de virar a próxima, seja pelo receio do que está por vir, seja por não conseguirmos seguir em frente depois de uma fase muito difícil. E você — já sentiu que estagnou em alguma “página” da sua vida?
Quando um novo começo bate à porta
Nem sempre os novos capítulos da vida começam com uma grande mudança. Às vezes, o novo pode vir disfarçado de um pequeno escoteiro de 8 anos insistente – muito insistente. Foi assim que Russell entrou na vida do nosso velho Fredricksen, agora isolado emocionalmente do mundo moderno, rígido para aceitar novas mudanças e tentando preservar aquilo que lhe restara da antiga vida.

O mini escoteiro, ambicioso por receber a última medalha que lhe faria receber o título de “Grande Explorador”, agora contava com a boa vontade do idoso de lhe pedir alguma ajuda. Nesse ponto faço uma observação curiosa: nessa cena vemos o encontro da criança exploradora, sonhadora e cheia de energia com o velho adulto marcado pelas experiências boas e dolorosas da vida. O encontro entre duas diferentes fases da vida.
Terceira lição
Isso nos lembra que a vida é feita de ciclos e de estações. Ao longo da vida, somos marcados pelos acontecimentos e o tempo deixa sua impressão sobre nós. Isso nos chama a refletir sobre a brevidade do tempo e o seu valor. Ecoando as palavras de Diógenes, filósofo grego:
“[O] tempo é a moeda mais valiosa que um homem pode gastar.”
Fredricksen logo quis se livrar da presença tagarela do pequeno Russell, esquecendo-se de que um dia uma pequena tagarela também se intrometeu em sua vida – e a mudou completamente. Às vezes nos encontramos tão fechados às novas experiências da vida, que somos incapazes de perceber quando um novo começo bate à porta.
Quando a fuga parece ser a solução
Ele só tinha uma noite para bolar um plano que o livrasse de ir para um asilo. O velho Carl agora estava encurralado. Como deixar a casa e todos os bens que construiu com sua esposa? Carl não estava preparado para dizer adeus, para superar seu profundo luto. Agora parecia que o mundo estava contra ele, ameaçando tirar tudo que lhe restava. Quantas vezes nos sentimos assim?
Mas, por trás daquela película rígida e amarga que cobria a mente do velhinho, ainda havia muita criatividade e perspicácia. Seus anos como vendedor de balão lhe conferiram a fuga perfeita: elevar sua casa às alturas, fugindo de todos aqueles que pareciam ser uma ameaça ao seu bem-estar. É então que temos umas das cenas mais icônicas da Pixar: uma casa amarela presa à milhões de balões coloridos fazendo-a flutuar pelos céus (essa cena também marcou sua infância?).

Fato é que havia mais um tripulante nessa casa flutuante: Russell, o ambicioso escoteiro que leva muito a sério um objetivo. Apesar de sua tentativa de levar o menino de volta, o velhinho se vê perdido no mapa após passar por uma tempestade, o que lhe obriga a aceitar a presença da criança em seu plano.
Quando tentamos provar nosso valor
Os dois então chegam ao Paraíso das Cachoeiras. Nesse novo lugar, os dois personagens passam a se conhecer melhor e os diálogos, tão cheios de comicidade, também revelam profundas marcas da vida. À primeira vista, vemos Russell sendo um menino impulsivo, alegre e tagarela. Mas, com o passar do filme, descobrimos que o jovem escoteiro carrega o peso do abandono da figura paterna. Em uma tentativa de reafirmar o seu valor ao pai, o menino de 8 anos busca então o título de “Grande Explorador”.
À essa altura, Fredricksen começa a ter seus olhos mais abertos para enxergar uma dor que não fosse só a sua. Então, surgem dois novos personagens na narrativa: “o monstro do Paraíso das Cachoeiras”, apelidada carinhosamente como “Kevin” e Dug, um adorável golden retriever. Mas longe de ser o fim, surge na longa-metragem outro personagem que também estava buscando provar seu valor: Charles Muntz.
Charles é o antagonista da história, que é apresentado no início do filme ainda novo como um herói explorador, admirado por Ellie e Carl na infância. Muntz passa todo o restante de sua vida morando naquela região com um único objetivo: provar que ele conseguiu capturar o monstro e limpar seu nome à vista das pessoas. Sua obsessão por validação o levou a uma jornada solitária e perigosa.
Sem dúvidas, ele era um explorador em excelência e com uma genialidade singular. Mas um deslize em sua carreira foi o seu “fim”. Incapaz de lidar com isso, ele passa o resto dos seus dias alimentando a necessidade de provar quem era de verdade. Seu orgulho o cegou, a ponto de eliminar qualquer um que buscasse o mesmo objetivo que ele, e nesse ponto da trama ele passa a ver Fredricksen e Russell como duas ameaças.

Quarta lição
Até que ponto estamos dispostos a ir para validar nossa reputação diante das pessoas? O que Muntz não percebeu é que, junto com sua sede por validação, o tempo passou. Um erro de Charles não definia tudo o que ele já havia conquistado ou sua capacidade, mas ele não soube lidar com um fracasso. A ferida não curada de um fracasso definiu o rumo de toda a sua vida. Foi nessa lição que Muntz falhou, e é nessa lição que eu espero que não falhemos.
A vida é mais que buscar a aprovação das pessoas. Como certa vez disse Augusto Cury:
“Não há aplausos que durem para sempre e nem vaias que sejam eternas”.
Quando conseguimos passar para a próxima página
Agora eles estavam sem saída: Muntz estava determinado a capturar Kevin. Russell está disposto a proteger a ave até o fim, mas Fredricksen ainda está dividido entre suas motivações: ajudar seus novos amigos ou proteger sua casa. Sabendo de seu apego emocional, Muntz garante o curso de seu plano maléfico: ateia fogo na casa com balões. Ao ver isso, Carl – que estava quase libertando Kevin das amarras – abandona seus amigos para apagar o fogo de sua residência. Nesse momento nós, como telespectadores, ficamos aflitos e até zangados: como ele pôde abandonar seus amigos nesse momento tão importante?
O incêndio foi contido, mas a casa estava um caos. Kevin foi capturada. Russell estava em apuros. Tudo parecia estar perdido. Então, o filme passa para sua cena mais importante, o ápice da mensagem que Up carrega: Carl coloca as duas velhas poltronas uma ao lado da outra, onde sentava-se ao lado de Ellie no passado e, com o livro de aventuras em mãos, senta-se naquele acolchoado.
Então, após uma profunda respiração, começa a folhear as páginas do álbum. As páginas pareciam ter tudo que já tínhamos visto antes. Mas, é então que Carl (e nós também) somos surpreendidos: nas próximas páginas vemos várias fotografias da vida que Ellie e Carl tiveram, fotos do cotidiano, de momentos felizes, de seu trabalho e de tudo que viveram juntos. Então, após a última foto, vemos uma mensagem que Ellie deixou para seu amado esposo:
“Obrigada pela aventura. Agora, vá viver uma nova!”.
À essa altura do filme já estamos com lágrimas nos olhos, vendo aquela cena ao som de “Married Life“, composta por Michael Giacchino.
Quinta lição
Aqui acontece a grande virada de chave na vida de Carl: entender que a maior aventura que eles poderiam ter vivido foi a vida comum, um ao lado do outro. A mulher com coração explorador entendeu uma lição valiosa:
“A vida é o que acontece enquanto estamos ocupados fazendo outros planos.”
(Acredito que essa frase de Allen Saunders resume muito bem a mensagem do filme, e não – essa frase não é de John Lennon).

O velho Fredricksen agora estava encarando seu luto de forma consciente, sentindo-se consolado pelas últimas palavras que sua companheira de vida lhe deixou. A partir desse momento, ele olha ao seu redor e entende que o que mais lhe importava não era a casa em si e seus pertences, mas o significado profundo que ele atribuía à ela: era um lembrete de que Ellie “ainda estava lá” e de que deixar a casa significava deixar Ellie – um pensamento que não era a verdade, pois ela sempre estaria em sua memória e em seus afetos.
Ao passar por essa experiência, ele finalmente consegue chegar ao último estágio do seu luto: a aceitação. Esse último estágio, baseado na teoria de Elisabeth Kübler-Ross, afirma que a pessoa enlutada aceita a realidade de sua perda, consciente de que precisa continuar a viver, seguindo em frente. (Outro fato curioso que é impossível não notar: os filmes Pixar sempre possuem uma base teórica psicológica muito boa. Se você já assistiu Soul ou Divertida Mente, sabe do que estou falando).
Quando a vida acontece
Resgatando a premissa base da Teoria Cognitiva Comportamental, desenvolvida por Aaron Beck (1960) e outros, aprendemos que nossos pensamentos afetam nossas emoções, e estas afetam nossos comportamentos. Fredricksen teve um novo pensamento: a vida ainda pode ser vivida. E isso o moveu. Ele jogou fora o peso dos pertences antigos, permitindo que a casa alçasse voo uma última vez – agora, para salvar seus amigos.
O desfecho a gente já sabe: ele encontra Russell e Dug, e se reconcilia com eles. Kevin é salva das mãos de Muntz, que tem um final trágico. Os amigos devolvem a ave para seus filhotes e Carl se despede de sua velha casa, deixando-a ir pelos céus. Russell ganha sua medalha de Grande Explorador, que agora é entregue pelo próprio Carl, que passa a fazer parte da vida do menino e também se torna o dono de Dug.
Nos créditos, vemos fotografias das novas aventuras cotidianas dos três personagens, despedindo o telespectador com um encantamento nostálgico com gosto de lição de vida.
Espero que este artigo tenha tocado você. Me conta nos comentários: você já assistiu Up? O que esse filme te ensinou? Qual lição mais falou com você? Deixe também a sugestão de outro filme que você gostaria de ver por aqui. Vai que vira o próximo… 👀
Obrigada por acompanhar essa reflexão!
“A aventura está lá fora!”

Até a próxima! 🧠💜
Referências
Beck, A. T. (2011). Terapia cognitiva: Teoria e prática. Artmed.
Cadernos Filosóficos. (2022). 21 frases sobre o tempo para vislumbrar a eternidade. Recuperado em 16 de julho de 2025. Link
Docter, P. (Director), Peterson, B. (Co-Director), & Rivera, J. (Producer). (2009). Up – Altas aventuras [Filme]. Pixar Animation Studios; Walt Disney Pictures.
Giacchino, M. (2009). Married life [Música]. No álbum Up (Original Motion Picture Soundtrack). Walt Disney Records.
Kübler-Ross, E. (1969). On death and dying. Macmillan.
Oliveira, D. (2020, janeiro 10). Frase da semana: “A vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos”. Superinteressante. Recuperado em 16 de julho de 2025, link
Pensador.com. (s.d.). Frases de Viktor Frankl. Recuperado em 16 de julho de 2025. Link